Por: Airton Noé A. da Silveira. – Eng. ambiental
16/09/2024
Os produtos de limpeza residenciais e industriais, podem impactar significativamente os sistemas de tratamento de efluentes e, consequentemente, prejudicando o meio ambiente.
Muitos desses produtos de limpeza contêm elementos químicos que podem alterar o funcionamento e a eficiência dos processos químicos, biológicos, e físicos necessários em sistemas de tratamento de efluentes, e dessa forma, acaba afetando a qualidade da água tratada.
Uma grande parte do esgoto doméstico no Brasil, ainda é lançado diretamente no ambiente sem as devidas medidas de tratamento necessárias para evitar impactos ambientais.
Em outros casos, quando os efluentes sanitários chegam em estações de tratamento, com altas concentrações de poluentes e graves alterações nos parâmetros que servem para indicar as condições do efluente, o índice de problemas a resolver e tratar eleva o custo e a dificuldade do tratamento que necessita este efluente.
Devido à rotina, e a quantidade de informações diversas que somos expostos atualmente, boa parte da população em geral, não dá muita importância para questões de como a contribuição da quantidade utilizada de xampus, cremes dentais, detergentes, desinfetantes, sabão em pó, desengraxantes, amaciantes de roupas, entre outros diversos produtos, que podem alterar o funcionamento do tratamento de efluentes.
As cargas orgânicas presentes em esgoto, podem ter a sua decomposição prejudicada em função da ação direta destes diversos tipos de produtos de limpeza.
Sem o devido tratamento de esgotos em muitas cidades brasileiras, os produtos de limpeza podem poluir o meio ambiente em função de seus componentes químicos e as decorrentes reações químicas resultantes das misturas entre eles.
As quantidades dos produtos de limpeza utilizados, resultam na variação de parâmetros como, por exemplo, Sólidos Totais, DBO, DQO, Nitrogênio total, Fósforo total, pH, entre outros.
A seguir veremos alguns impactos ambientais que são decorrentes dos resíduos de produtos de limpeza:
1. Alterações no pH
Impacto: Muitos produtos de limpeza tendem a ser mais ácidos ou alcalinos. Em função disso, eles podem alterar o pH do efluente. Isso pode interferir nas condições necessárias para o desenvolvimento de microrganismos responsáveis pela degradação da matéria orgânica presente nos efluentes. Isso também ajuda a reter material orgânico em fossas e canos, entupindo o sistema por falta de decomposição adequada.
Consequência ambiental: Quando ocorre o desequilíbrio do pH, os processos biológicos, como a nitrificação, são prejudicados e isso pode afetar a fauna e a flora aquática, em função da água não tratada ser liberada no meio ambiente.
2. Presença de substâncias tóxicas
Impacto: Elementos como a amônia, fosfatos, tensoativos sintéticos e o cloro são tóxicos para os microrganismos, e desta forma interferem no processo de decomposição natural da matéria orgânica em sistemas biológicos de tratamento.
Consequência ambiental: A morte de bactérias essenciais para a degradação da matéria orgânica pode comprometer a eficiência do sistema de tratamento, e promove consequentemente a liberação de efluentes não tratados no meio ambiente, afetando assim os corpos d’água e a biodiversidade local.
3. Aumento da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio)
Impacto: Em função de prejudicar a decomposição do material orgânico, os produtos de limpeza podem aumentar a carga orgânica sólida no efluente, elevando a DBO.
Consequência ambiental: Com o aumento da DBO, pode ocorrer a redução do oxigênio distribuído nos corpos hídricos receptores, e isso pode provocar a morte de peixes e outros organismos aquáticos.
4. Resistência de microrganismos aos tensoativos
Impacto: O uso excessivo de tensoativos sintéticos que podem estar presentes em detergentes e sabões, podem promover o desenvolvimento de cepas de microorganismos resistentes.
Consequência ambiental: O fato de ocorrer a resistência de certos microrganismos, pode comprometer o processo de biodegradação eficaz de outras substâncias nocivas nos sistemas de tratamento de efluentes. Isso também pode afetar ecossistemas aquáticos se os efluentes não forem devidamente tratados.
5. Contribuição para a eutrofização
Impacto: Alguns produtos de limpeza ricos em fosfatos, podem contribuir para a eutrofização em corpos d’água, em função de efluentes não tratados descartados nestes locais.
Consequência ambiental: Em função da eutrofização em corpos d’água, ocorre o desenvolvimento descontrolado de algas, que acabam promovendo o bloqueio da luz solar, e esgotam o oxigênio dissolvido, promovendo zonas mortas e perda de biodiversidade nestes meios aquáticos.
6. Dificuldade de remoção de compostos químicos recalcitrantes
Impacto: Alguns compostos presentes na composição de produtos de limpeza, como as fragrâncias e os conservantes, são recalcitrantes, que por sua vez, não se degradam em processos biológicos e também tendem a ser acumulativos no meio ambiente.
Consequência ambiental: Em função destes compostos que podem persistir no meio ambiente, ocorre a contaminação da água potável e a acumulação em organismos vivos, circulando ao longo da cadeia alimentar.
7. Geração de espuma excessiva
Impacto: Os tensoativos presentes nos produtos de limpeza podem gerar a formação de espumas excessivas nos sistemas de tratamento, e isso pode interferir nos processos físicos de separação de sólidos e líquidos.
Consequência ambiental: O excesso de espumas pode prejudicar o processo de aeração em alguns tipos de sistemas biológicos, causando problemas na captação de oxigênio dos microrganismos, e assim na qualidade do efluente final.
8. Interferência nos processos de coagulação/floculação
Impacto: Alguns produtos de limpeza podem interagir com os produtos químicos usados nos processos de coagulação e floculação dos tratamentos de efluentes, dificultando a remoção de sólidos em suspensão.
Consequência ambiental: Isso pode promover efluentes com alta turbidez e com altas cargas de sólidos suspensos lançados nos cursos d’água, e consequentemente isso pode prejudicar a qualidade da água de rios e lagos.
Considerando os possíveis impactos ambientais dos produtos de limpeza em sistemas de tratamento de efluentes, não é difícil compreender que estes produtos precisam de um certo controle e medidas de cuidado.
A escolha de produtos de limpeza biodegradáveis e a implementação de sistemas de pré-tratamento, como a remoção de tensoativos e compostos orgânicos antes da entrada em sistemas biológicos, são estratégias que podem minimizar esses efeitos nocivos ao meio ambiente.
Para minimizar os impactos ambientais causados pelos resíduos de produtos de limpeza nos sistemas de tratamento de efluentes, algumas ações e atitudes podem ser adotadas. Essas medidas devem focar em práticas mais sustentáveis, mudanças comportamentais e tecnologias mais eficientes.
A seguir veremos uma lista de ações recomendadas para evitar impactos ambientais em função do uso de produtos de limpeza:
1. Escolha de produtos de limpeza biodegradáveis
Quando optamos por produtos de limpeza que são biodegradáveis, estamos escolhendo aqueles que tendem a ser menos tóxicos ao meio ambiente, pois também consideram tensoativos vegetais e ingredientes livres de fosfatos.
Dessa forma, podemos reduzir a presença de compostos tóxicos e persistentes no efluente, e consequentemente melhoramos a eficiência do tratamento biológico. Não esquecendo que também assim estamos minimizando os impactos no meio ambiente.
2. Uso consciente de produtos de limpeza
Ao utilizar produtos de limpeza de forma consciente e moderada, podemos evitar o uso excessivo e o desperdício.
Assim conseguimos diminuir a carga de produtos químicos lançados no sistema de tratamento, ajudando desta forma a manter a eficiência dos processos biológicos e também reduzindo a quantidade de toxinas liberadas no meio ambiente.
3. Substituição de produtos de limpeza convencionais por alternativas naturais
Em alguns casos, é possível considerar alternativas caseiras ou naturais, como, por exemplo, o vinagre, bicarbonato de sódio e limão, que são elementos eficazes em várias situações de limpeza.
Os produtos naturais proporcionam menor impacto ambiental e são menos nocivos para os sistemas de tratamento de esgotos e para a saúde humana.
4. Separação e pré-tratamento de efluentes em locais de grande uso
É muito importante a implementação de sistemas de pré-tratamento de efluentes em locais com grandes fluxos a tratar, devido ao uso de excesso de produtos de limpeza, como, por exemplo, em cozinhas industriais, indústrias alimentícias, lavanderias, entre outros, como caixas separadoras e tratamento físico-químico.
Sistemas de pré-tratamento reduzem as concentrações de tensoativos, óleos e outros compostos antes que o efluente chegue no sistema de tratamento principal, desta forma ocorre uma certa proteção da eficiência do processo.
5. Educação ambiental e conscientização
É muito relevante a promoção de programas de educação ambiental para conscientizar a população sobre o uso consciente de produtos de limpeza, pois alertam para os possíveis impactos no meio ambiente.
Com o aumento da conscientização das pessoas, aumentará as mudanças de comportamento em larga escala, com ampliação da responsabilidade no consumo de produtos e haverá consequentemente a redução da poluição do meio ambiente.
6. Instalação de estações de tratamento doméstico
Em locais que apresentam o uso frequente de produtos de limpeza, como, por exemplo, condomínios e grandes hotéis, pode-se considerar a instalação de mini-ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) domésticas.
Neste processo de tratamento local de efluentes, é possível reduzir a carga poluidora enviada para o sistema de esgoto municipal, minimizando assim o impacto nos corpos d’água.
7. Revisão e adequação de produtos utilizados em ambientes industriais
Sempre quando possível, é interessante substituir os produtos de limpeza industriais que possuem compostos mais agressivos, por produtos alternativos que são menos tóxicos e representam menor potencial de promover impactos ambientais.
Assim podemos mitigar os efeitos sobre os microrganismos dos sistemas biológicos de tratamento, preservando a eficiência do processo e prevenindo a poluição de corpos d’água.
8. Implementação de boas práticas operacionais em sistemas de tratamento de efluentes
É importantíssimo monitorar e ajustar o pH, o DBO e outras configurações dos efluentes, garantindo que o sistema de tratamento esteja operando de forma adequada e eficiente para tratar os resíduos dos produtos de limpeza.
Isso evita a sobrecarga do sistema e ajuda a garantir que os efluentes liberados no meio ambiente estejam dentro dos padrões ideais de lançamento.
9. Uso de tecnologia para remoção de micropoluentes
Em determinados casos, é interessante instalar sistemas mais avançados de tratamento, como membranas, carvão ativado e processos de oxidação avançados, para buscar a remoção de compostos químicos recalcitrantes.
Com esses sistemas mais avançados, promovemos alternativas mais eficazes na remoção de substâncias químicas que os tratamentos convencionais não conseguem degradar, minimizando os riscos de contaminação dos recursos hídricos.
10. Regulamentação e fiscalização do uso de produtos de limpeza em grandes estabelecimentos
É importante implementar políticas públicas que regulamentem o uso de determinados produtos de limpeza, especialmente em grandes indústrias, e grandes instituições.
É preciso certificar-se de que as práticas positivas de uso de produtos de limpeza, sejam acompanhadas e que sejam considerados produtos e métodos de menor impacto ambiental.
Todas essas atitudes, quando adotadas, podem contribuir para a redução significativa dos impactos destes produtos de limpeza no sistema de tratamento de efluentes, e assim colaborar para a preservação do meio ambiente.
Fonte:
Química para Engenharia Ambiental e Ciência – Clair N. Sawyer, Perry L. McCarty, Gene F. Parkin
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